Vida de índio

Hoje eu acordei com o rádio-relógio tocando um tremendo rock, joguei meu edredom para o lado, calcei minhas sandálias de dedo e coloquei minha dentadura. Desliguei o ar-condicionado, puxei a cortina polietileno, abri a janela e segurei na grade para me espreguiçar. Enfim, pronto para mais um dia de batalha. Peguei minha escova anti-germe e escovei os “dentes” com creme dental com flúor.

Tomei meu desjejum composto de leite em pó, – made in Chernobil – com Nescafé e água ozonizada, num copo de plástico descartável, duas fatias de pão de forma com bastante bromato e passei uma boa margarina vegetal.

Saí e tranquei a porta com chave de duas voltas e um cadeado de segredo. Peguei minha Honda 125 e parti para a gleba nº 10.

As 8 horas comecei a arar a terra com meu Massey Ferguson. Quando deu sede, fui para a sombra de uma barraca de pára-quedas, tomei uma água mineral gasosa que estava gelando no isopor.

Quando o sol bateu forte, olhei meu relógio digital e já eram 11:30. Então resolvi almoçar. Comi um sanduíche natural de atum em lata com maionese e outro de carne de soja. Ah, tomei também um refrigerante dietético, claro que continha ciclamato.

Como o dia ainda era grande, resolvi dar uma descansada. Estiquei o esqueleto no sofá-cama, fumei um cigarro king-size de baixos teores. Estava curtindo os prazeres da selva, quando me deu saudade da velha, minha mãe.

Peguei minha esferográfica e parti para uma carta que começava assim;
Kukurucaia, love you, mãe querida…

Como estava com um pouco de dor de cabeça, tomei uma aspirina e botei o cocar na cabeça, digo, o boné da adidas na cabeça. Mais tarde, resolvi ir ter com o guru da cidade para pegar meu mapa astral, aproveitei a visita e pedi para ele colocar as cartas de tarot, para ver se aquele meu negócio ia dar uma boa bolada de US$.

Na volta liguei para o setor social e fui informado que haveria uma reunião festiva ao entardecer.

Fui para casa, tomei um bom banho com sabonete anti-alérgico e dei um trato com um shampoo 2-em-1, coloquei meu calção de nylon, passei um desodorante anti-transpirante e esfreguei um pouco de guache no corpo para me caracterizar para a festa. Aproveitei o embalo e levei minha câmera de vídeo para filmar a farra.

No caminho de volta, jantei uma pizza com bastante ketchup, requentada no forno de micro-ondas.

É! Hoje só faltou a presença da mulher e das crianças que foram passar uns dias com a sogra e aproveitaram para tomar uma vacina no hospital da cidade.

Ah! Antes de desligar a televisão com meu controle remoto e me preparar para dormir, eu queria lembrar que, aqui na aldeia, sou índio guerreiro e vivo em comunhão com a natureza humana dita civilizada…